Como lidar com a vírgula (5)
A vírgula de elipse
O verbo é a alma da frase, concentrando, em regra, a essência do significado. Para que a frase exista, tudo pode faltar, menos o verbo. Existem orações sem sujeito, mas sem verbo não. Muitas vezes usamos frases feitas de um único verbo, tendo em regra significado veemente: Chega! Vamos!
Outras tantas, as frases têm o verbo subentendido: Socorro!
Portanto, o verbo é indispensável. Outra prova da importância do verbo está no fato de o estudo da análise sintática começar sempre por ele, pois temos no período tantas orações quantos forem os verbos.
Se o verbo é tudo isso, algo teria que acontecer quando ele, por uma razão ou outra, é omitido. É aí que entra a chamada vírgula de elipse, usada com o único objetivo de informar que foi subentendido um verbo, ou um conjunto de palavras que contém verbo. Veja-se um exemplo: Eu reviso a receita; você, a despesa.
Por não querer incorrer no inconveniente de repetir o verbo, preferiu-se usar vírgula em seu lugar. Convenhamos que a frase ficaria enfadonha com a repetição do verbo: Eu reviso a receita; você revisa a despesa.
Outro exemplo: Mocidade ociosa, velhice vergonhosa. Opa! Frase sem verbo! Cadê o verbo? Verbo não pode faltar! E não está faltando. Ocorre que ele foi substituído por vírgula, portanto vírgula de elipse. Poderia ser assim: Mocidade ociosa traz velhice vergonhosa. Haveria opções para esse verbo: significa, leva a, redunda em, entre outras. No entanto, é indiscutível que o significado ficou muito mais vigoroso com a vírgula, sem o verbo.
Mas, que paradoxo! O verbo não é a alma da frase? Então se permite a eliminação da alma da frase?
O verbo não foi retirado. Ele apenas não está expresso, ou melhor, está expresso na vírgula. Portanto, continua sendo a alma da frase, mesmo sendo representado pela vírgula. De qualquer forma, fica provada, mais uma vez, a ausência de axiomas entre as normas gramaticais. Existem regras a serem cumpridas até o limite do significado, este sempre soberano. O significado é um princípio que se impõe sobre qualquer norma gramatical, tudo porque ele é o objetivo final de toda comunicação. Comparando com o Direito, poderíamos dizer que esta, sim, é uma cláusula pétrea da gramática.
A regra da vírgula de elipse pode ser estendida a duas outras situações, que normalmente são apresentadas como mais dois casos diferentes de uso de vírgula, quando, na verdade, marcam a supressão do verbo.
– Para separar a data do nome do local: Brasília, 19 de março de 2021.
– Para separar a data do número nos atos legislativos: Lei n.º 2.643, de 19 de março de 2021.
Outros exemplos de vírgula de elipse:
– Meu pai se vacinou em fevereiro; eu, provavelmente em abril.
– Os valorosos levam as feridas; os venturosos, os louros.
– O tema da videoconferência é a pandemia; o assunto, as formas de enfrentá-la.
– Ele começou a carreira no Direito Administrativo; ela, no Direito de Família.
– O pai traficava maconha; o filho, drogas mais pesadas.
– Veio a velhice; com ela, a sabedoria.
Importante: O uso da vírgula de elipse é sempre obrigatório.